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Heitor Freire

Do Hexa

Estamos todos vivendo ainda a ressaca da derrota da seleção  brasileira para a Holanda. A paixão do brasileiro pelo futebol leva a extremos, exatamente por ser paixão. A paixão cega as pessoas, e como  cega, leva a atos impensados e irrefletidos.
É bom aproveitar a oportunidade do momento vivido para tentarmos entender e aprender a agir de forma equilibrada.
Vimos o Felipe Melo,  no jogo final,. em poucos minutos passar da glória para a execração pública. Como é fugaz o momento de consagração numa atividade como o futebol. O que vai ficar para a história é o ato do gol contra e a imagem da sua expulsão. Poucos vão lembrar o momento do passe excepcional para o gol do Robinho.
Faltou à nossa seleção um líder dentro de campo e comando de fora dele. Quando disputamos a final, em 1958, na Suécia, contra a seleção da casa, o primeiro gol foi marcado por eles. Aí, nesse momento, se manifestou de uma forma grandiosa a personalidade do líder: Didi foi calmamente até o fundo da rede, pegou a bola, e a colocou embaixo do braço e seguiu conduzindo-a, calmamente caminhando majestosamente, de cabeça erguida,  até o centro do campo. Enquanto caminhava ia dizendo aos seus companheiros: “Calma, que o jogo está apenas começando e nós somos capazes de ganhar este jogo”. A tranqüilidade que ele conseguiu transmitir aos seus companheiros foi fundamental para a vitória final, Brasil 5 x 2 Suécia. Esse foi o  nosso primeiro título mundial em Copa do Mundo.
Durante o jogo da derrota brasileira na semana passada, observamos um comportamento muito nervoso do nosso técnico: Dunga começou a esbravejar e a golpear a coluna da cobertura do local onde se encontrava, transmitindo intranqüilidade e desequilíbrio  muito grandes aos nossos jogadores. Faltou um Didi. Os jogadores ficaram nervosos, e o próprio Kaká – figura até então de temperamento dócil em geral – ao  perder um gol, parece ter sido contaminado pela truculência do técnico e se manifestou com uma imprecação quase audível.
Observo também que faltou empenho maior dos jogadores. Em muitas oportunidades eles esperavam a bola chegar a seus pés, faltou a fome de bola. O Neném Prancha, filósofo do futebol,  já falecido, dizia sempre: “O jogador tem que ir na bola, como se fosse a um prato de comida, com muita vontade”. Gentil Cardoso, um técnico que tinha um ensinamento filosófico muito próprio, dizia também: “Quem pede, recebe. Quem se desloca tem preferência”. Isso na década de 50. Seria oportuno que o futuro técnico da seleção procurasse entender e aplicar esse ensinamento.
Entendo que o Dunga, assim como todos os brasileiros – mas equivocadamente e por vias tortas –, queria ganhar a Copa; ele escolheu livremente o seu elenco, defendia a sua escalação e os jogadores convocados, demonstrando assim um espírito de corpo, de unidade. Foi coerente.
Há uma tendência em nosso povo de torcer contra a seleção, não consigo entender o porquê. Tenho respeito pelo Dunga, pelo seu trabalho, pela sua dedicação. Espero que o torcedor brasileiro também o respeite. É preciso destacar a sua coragem, disciplina e garra. Ele determinou um comportamento rigoroso para os seus jogadores e não fez concessões ao clamor popular nem se intimidou com as críticas.  Quando a rede Globo tentou, em vão, uma entrevista exclusiva com os jogadores, se fez presente o espírito hostil do Dunga, não permitindo o contato do time com a imprensa, mesmo contra a determinação do presidente da CBF, Ricardo Teixeira.
Há no imaginário do cidadão latino-americano, e principalmente do brasileiro, a procura de um fator de fora para justificar o sucesso e a derrota. Assim se atribui a alguém ou a algo uma influência determinante do resultado. Com isso cria-se uma imagem de pé-frio, de pé-quente, ou de ações mágicas.  E essa é justamente  a graça do jogo. É o que alimenta o pensamento místico do torcedor. Futebol não é uma ciência exata – apesar de os alemães estarem aí para confirmarem a exceção à regra. Não nos esqueçamos de que futebol, em sua essência, é diversão, entretenimento. Superstição tem tudo a ver com futebol. Quem não gosta de usar a mesma camisa que “deu sorte” quando surge mais uma decisão de campeonato? É suor, é sangue, é emoção, e nervos à flor da pele. Sem isso, não seriamos como disse Nelson Rodrigues uma “pátria em chuteiras”. Grande parte do encanto que uma partida exerce na torcida reside nessa miscelânea de pensamentos mágicos, de trágicas coincidências, de boa dose de acontecimentos sobrenaturais, de promessas, fantasias, de catarse pública no seu mais alto grau. Nem todo o teatro grego reunido conseguiu isso.
Gostaria de ter visto a seleção brasileira sendo recebida de forma carinhosa pelo nosso povo, pelo presidente que lhe  ofereceu uma despedida e deveria lhe proporcionar uma acolhida de reconhecimento pela dedicação, apesar de tudo.
Destaca-se, de qualquer forma, o profundo sentimento de brasilidade que  nos envolveu, desde as crianças criando um sentimento de amor pela seleção, que no final e sempre, representam o nosso país.
Enfim a luta continua, a busca pelo hexa não terminou. A próxima copa será no nosso país. Vamos nos preparar para ganhar dentro do campo com fatores endógenos. Talvez com uma pitada da metodologia alemã e generosas doses de ginga e bom-humor, cheguemos lá.
A classificação do Uruguai na última sexta-feira serviu para lavar a alma de todo um continente. O minuto final da prorrogação parecia uma tragédia de Shakespeare, pura ficção, um roteiro inimaginável que o dramaturgo mais talentoso do mundo jamais ousaria escrever. Puro espetáculo. Isso, sim, é futebol.

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