Hoje vamos conhecer um cidadão libanês/brasileiro, que muito contribuiu e ainda contribui com nossa cidade, que ele adotou como sua.
Já escrevi aqui que antigamente – hoje não é mais assim – se falava que Campo Grande era uma ilha de japoneses, cercada de turcos – termo genérico e corriqueiro usado para árabes, sírios, libaneses – por todos os lados. Ou vice-versa. Pois bem, este árabe é daquele tempo. É de ressaltar também sua cordialidade com o nosso povo; nos chamavam de primos, aliás de “brimos”.
Quando ele aqui aportou com 18 anos de idade, foi trabalhar na casa de armarinhos de seus tios, a Loja Popular, na rua 14 de Julho, bem no centro da cidade, sem saber falar nada de português. Refiro-me a Abdallah Georges Sleiman.
Naquela época, 1954, eu, com 14 anos, trabalhava nessa loja. Eu já cursava a 3ª série ginasial no período noturno e ficava muito constrangido quando, logo cedo, minhas colegas de ginásio passavam na frente da loja e eu, agachado, estava lá, passando um pano para limpar o chão. O “seu” José não permitia que se usasse o rodo. Queria tudo bem limpo.
Naquele tempo também trabalhava nessa loja o Silvio Félix de Oliveira, depois funcionário graduado do Banco do Brasil, em Brasília. Hoje ele está aposentado.
Logo que o Abdallah chegou, houve uma identificação imediata entre nós três. Empatia de cara. Não lembro como era a nossa comunicação porque ele, de início, não falava nada de português. Mas só sei que nos comunicávamos bem.
O Abdallah pegava a sua mala cheia de armarinhos, meias, quinquilharias e se embrenhava pelos bairros da cidade sem saber falar a nossa língua, mas sabendo muito bem fazer contas, com um papel onde estava escrito o fundamental para iniciar uma conversa e assim se comunicava.
Como o Abdallah sempre foi muito ativo e trabalhador, foi fazendo o seu pé-de-meia, e acabou comprando as duas lojas dos seus tios na rua 14 de Julho, quando estes voltaram para o Líbano. A primeira era em frente às Casas Pernambucanas e a outra ao lado da Casa Glória, na baixada. Morava no fundo dessa loja.
Tendo uma visão muito abrangente e sendo também muito audacioso, ele adquiriu uma chácara nos altos da região sul da cidade, onde lançou o loteamento Jardim Monte Líbano, em 1969. Foi o primeiro loteamento de Campo Grande a dispor de toda infraestrutura, com rede elétrica a mercúrio já instalada.
A sua visão empresarial levou-o a investir maciçamente no mercado imobiliário, adquirindo áreas em locais diferentes e transformando-se num verdadeiro latifundiário urbano.
Entre os diversos empreendimentos que lançou, destaco: Conjunto Oriente, Condomínio Rui Barbosa, Residencial Damasco, Trípoli, Liberdade, Treze de Maio, Residencial do Lago, Dona Mariam, Joaquim Murtinho, além de outros empreendimentos que deixo de mencionar, já que estes são bem representativos da sua capacidade empreendedora.
Abdallah é um homem sério e responsável. Sempre honrou seus compromissos. Como exemplo dos mais representativos dessa sua forma de agir, cito um empreendimento com o qual inovou em termos de marketing: o Shopping Marrakech, lançado em 1989, quando Campo Grande, já com status de capital, com a criação do nosso tão sonhado e esperado Estado de Mato Grosso do Sul.
Esse lançamento proporcionou à nossa cidade e ao mercado imobiliário, uma nova oportunidade em termos de investimento e de comercialização. O Marrakech é um projeto do renomado arquiteto Lauro Veloso Malaquias, que mais uma vez comprovou com criatividade a sua imensa capacidade de enfrentar desafios e vencê-los. E, assim, contratado pelo Abdallah, Lauro uniu sua inventividade à ousadia empresarial do “turco”.
Esse empreendimento [o Shopping Marrakech] veio a sofrer de forma impiedosa os efeitos nocivos do Plano Sarney, que tantos malefícios causou ao nosso país e à nossa economia: inflação de 85% ao mês, deflação, tablita, que resultaram num efeito danoso, fazendo com que os compradores desse empreendimento – que foi um sucesso de lançamento – se vissem impelidos a suspender os pagamentos por falta de condições, e em consequência, Abdallah se viu na obrigação de devolver o dinheiro dos adquirentes de lojas do shopping, com correção e demais encargos. O que ele cumpriu de forma exemplar, mas a um custo muito elevado. Mas cumpriu.
O seu penúltimo empreendimento é o Residencial Beirute, um loteamento fechado ao lado do Parque dos Poderes. Penúltimo porque existem outros em elaboração.
Com este artigo, homenageio este empreendedor – hoje também cidadão campo-grandense – dando a ele o reconhecimento público da sua capacidade, da sua integridade, da sua dedicação e do seu amor à nossa Campo Grande e ao Brasil.