Em 1975, eu me mudei com a minha família da rua D. Aquino no Centro, para a rua Padre Caetano Patané, no bairro Taveirópolis. Ali moramos até o ano de 1995. Foram 20 anos dourados.
Quando para lá nos mudamos, as ruas do bairro não eram asfaltadas, e não havia água encanada, que só veio a surgir alguns anos depois. A água que usávamos em casa, era bombeada de um de poço que ficava no fundo do quintal. Abençoado poço, pois depois que recebemos o benefício da água encanada, muitas vezes o fornecimento da água da rua falhava. Aí éramos salvos pelo poço, que, por decisão da Rosaria, minha mulher, permaneceu em funcionamento sempre.
As minhas filhas, sete ao todo foram, crescendo. A Andréa, a número 2, na adolescência teve um namorado muito seresteiro, Paulo Renato. Pois bem. Numa determinada noite, fomos acordados por um som estentórico, que me fez pular na cama. Perguntei à Rosaria se sabia o que era aquilo. Ela disse que não. Vesti um roupão em cima do pijama e fui investigar. Era Paulo Renato tocando um berrante do tamanho de um trem, no mais alto volume. Acordou toda a vizinhança. Quando me viu, me cumprimentou e apresentou seus amigos. Assim, sem cerimônia, como se tocar um berrante na madrugada fosse a coisa mais corriqueira. Eu também fiz algumas serenatas para a Rosaria na nossa juventude em Ponta Porã, mas com aquele estardalhaço todo, nunca. Enfim, após as apresentações e de servir a tradicional bebida que o dono da casa deve oferecer aos seresteiros, voltei a dormir, alertando a trupe que o nosso vizinho era um homem brabo. Mesmo assim, as serenatas passaram a se repetir, e, curiosamente, com ou sem berrante, nunca nenhum vizinho reclamou.
Mas o velho e bom Taveirópolis já viu coisa pior, na seara da violação do sossego público.
Anos antes tivemos um vizinho, o Miguel Patroni Duenha, que havia construído a nossa casa e também a que ficava ao lado, onde ele morava. Era pai de três filhas, entre elas a Aline Duenha, hoje atriz destacada que atua também na área circense com o Circo do Mato, grupo com atuação até na área internacional.Â
E um belo dia, eu descobri que o meu pacato vizinho era capaz de um ato de rebeldia civil. Aconteceu o seguinte: em frente às nossas casas havia uma igreja evangélica. Aos domingos pela manhã, bem cedo, o pastor da igreja, resolveu utilizar um alto falante no último volume, importunando toda a vizinhança num raio de 500 metros para chamar os fiéis. Era realmente um tormento.Â
Na primeira vez, ficou por isso mesmo. Quando, na semana seguinte, o episódio se repetiu, o Miguel foi falar com o pastor, que o recebeu cordialmente. O Miguel alegou que o som era muito alto e começava muito cedo. O pastor pediu desculpas e disse que não aconteceria mais. Na terceira semana, de novo o pastor mandou ver o som alto. O Miguel não teve dúvidas: de dentro de sua casa, mandou bala no alto falante do pastor. Foi um santo remédio. O raio do alto falante nunca mais funcionou.Â
Mas das serenatas infindáveis em frente à minha casa, aposto que o Miguel jamais reclamaria. Acho que por solidariedade e também por ser pai de três filhas, ou por entender o espírito romântico dos nossos seresteiros.
Belos tempos, belos dias.
a