Embalado pelo artigo da semana passada, Um Século de História, acabei encontrando um fato marcante acontecido em 1918, exatamente no dia 27 de setembro, quando uma mulher extraordinária, Maria José de Castro Rebello Mendes, afrontando o “status quo” da época se insurgiu contra uma proibição não escrita nem legal, mas consentida por todos, a de que a mulher não poderia ingressar na carreira pública.
Atraída pela remuneração prevista num edital de concurso do Itamaraty e tendo uma formação que fundamentava sua pretensão, corajosamente requereu sua inscrição. Seu pedido, inusitado, ao ser aceito pelo então Ministro das Relações Exteriores, Nilo Peçanha, suscitou um explosivo debate sobre o espaço da mulher na administração pública federal, dividindo a opinião pública, com acalorados debates entre intelectuais e personalidades, merecendo inclusive amplos espaços na imprensa da época, com artigos no “Jornal do Brasil”e em “A Noite”, com chamada na primeira página do jornal “Ultima Hora”: “Podem as mulheres ocupar cargos públicos?”.
O fato secular mereceu menção em uma reportagem do Globo, de 27 de setembro último.
Nilo Peçanha, que havia sido presidente da República, em 1909 – devido ao falecimento de Afonso Pena, de quem era vice-presidente –, tornou-se depois  senador, e presidente da província do Rio de Janeiro, cargo ao qual renunciou para assumir o Ministério das Relações Exteriores (1918). Não querendo assumir sozinho a responsabilidade de inscrição do pedido de Maria José, buscou um parecer do então consultor jurídico do Itamaraty, Clóvis Bevilacqua: “Não havia na lei, o impedimento para o acesso de mulheres ao serviço público administrativo”. Na sua decisão pesou também a recomendação do jurista baiano Ruy Barbosa, que conhecia a família da jovem, que também era baiana. Como se vê, políticos do mais elevado quilate fizeram parte dessa decisão histórica.
O detalhe mais importante desse fato, sem dúvida, era a competência de Maria José. Diz O Globo, em sua matéria: “Se havia controvérsia sobre a pertinência da autorização dada à jovem, não restou dúvida quanto à sua capacidade e cultura. A imprensa cobriu a realização das provas orais do concurso, em que Maria José sagrou-se com a maior nota média. Por sete dias, ela passou por exames de caligrafia, datilografia, inglês, alemão, francês, italiano, história, geografia, álgebra, aritmética e vários ramos do direito. Registro elogioso do jornal “A Noite” dizia que ela havia ‘assombrado’ nos testes de idiomas e ‘sabia direito internacional para ensinar a muito bacharel’”.
Nilo Peçanha, ao autorizar a inscrição no concurso, afirmou: “Melhor seria, certamente, para o seu prestígio que continuasse à direção do lar, tão são os desenganos da vida pública, mas não há como recusar sua aspiração”, segundo a reportagem.
Do anonimato de sua vida, de repente, Maria José se viu elevada a símbolo de conquista do direito das mulheres pelo espaço que alcançou por seu mérito pessoal. A sua luta por direitos iguais estava mais no modo de agir e de pensar, e menos na militância ostensiva. Sem ter o feminismo como bandeira, mas encarnando-o por meio de atitudes concretas na busca por espaço na sociedade machista de então.
De certa forma, Maria José acabou também seguindo o comentário de Nilo Peçanha, porque casou-se com Henrique Pinheiro de Vasconcellos, seu colega no Itamaraty, de cujo matrimônio nasceram cinco filhos: Myrian, Yara, Yolanda, Acir e Guy. Dos quais três ainda estão vivos.
Assim, ela atuou de forma significativa nas duas bandas: profissional e familiar.