O não está presente na história da humanidade desde o princípio. Começa quando Javé – ou Jeová, o deus bíblico do Antigo Testamento – diz para Adão: “Você pode comer de todas as árvores do jardim. Mas não pode comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque o dia em que dela comer, com certeza, você morrerá” (Gênesis, 2:16-8). Preliminarmente, essa passagem da Bíblia me parece uma incongruência, porque desde o início dos tempos se morre, portanto, a morte não é nenhum castigo e todos vamos morrer. E esse não que foi desobedecido ficou marcado como a origem do “pecado original”, um termo postulado por Santo Agostinho e veementemente contestado pelo monge bretão Pelágio, que por esse motivo acabou sendo excomungado da Igreja.
Penso que o texto correto deveria ser: “… só poderá comer da árvore do conhecimento por merecimento…” Porque, a meu ver, a árvore do conhecimento deve, necessariamente, ter o seu fruto consumido pelo homem, que precisa ser estimulado para isso. Essa proibição provocou a primeira desobediência de que se tem notícia – dentro da redação oficial das alegorias bíblicas –, à qual se seguiram muitas outras, gerando um efeito cascata, porque as proibições se tornaram a lei.
Tanto é assim que no Antigo Testamento, na Tábua da Lei, os Dez Mandamentos que Moisés recebeu (Êxodo, 20:1-17) determinavam o comportamento que se esperava do povo judeu, segundo Javé. Da curta lista de dez mandamentos, oito começam com não. Ou seja, a Bíblia difundiu um manual de conduta fundamentalmente calcado em tudo que não se deve fazer:
- Não terás outros deuses além de mim…
- Não farás para ti nenhum ídolo…
- Não tomarás em vão o nome do Senhor…
- Lembra-te do dia de sábado, para santificá-lo…
- Honra teu pai e tua mãe.
- Não matarás.
- Não adulterarás.
- Não furtarás.
- Não darás falso testemunho contra o teu próximo…
- Não cobiçarás a casa do teu próximo…
Esse não repetido com tanta ênfase causou uma profunda influência na consciência geral das pessoas ao longo dos tempos, criando uma poderosa força negativa, cuja vigência foi sabiamente alterada por Jesus, ao anunciar um novo e mais importante mandamento: “Amar a Deus sobre todas as coisas do céu e da terra, e ao próximo, como a si mesmo” (Marcos, 12:30-31) – ou, dito de outro modo: não faça aos outros aquilo que você não gostaria que fizessem com você. Com isso, Jesus aboliu de forma muito clara a imensa sequência de nãos dos Dez Mandamentos.
Apesar disso, ainda assim o não com caráter proibitivo foi se institucionalizando, e penso que esse tom condenatório deveria ser eliminado do nosso vocabulário, e substituído por uma forma linguística na qual o sentido seja enunciado de outra maneira, o que vai exigir uma consciência presente no acompanhamento, a cada momento, das palavras que proferirmos.
O não é usado de forma muito disseminada, sem critério, porque faz parte da nossa rotina desde que nascemos. E o seu uso indiscriminado acaba sendo um fator limitante do que é possível, uma vez que o não encerra a conversa sem chance de argumentação. É preciso primeiro tentar, para depois dizer que algo não é possível.
É muito comum ouvirmos: “não vai dar certo”; “não adianta”; “fulano disse que não é possível”. Tudo isso sem evocarmos uma condição que no direito penal é chamada de benefício da dúvida. A partir do momento que refutamos o não, começamos a usar o poder imanente em cada um, e criamos as condições para a realização dos nossos objetivos de forma afirmativa e independente.
O poder da palavra também está muito claro desde o princípio, quando Deus disse: “Faça-se a Luz, e a Luz foi feita” (Gênesis, 1:1-5). Assim, a força realizadora da palavra é um instrumento que o homem precisa aprender a usar, para torná-la fator de concretização – com a possibilidade de criar o bem e também o mal. Só depende do uso que fizermos dela.
Heitor Rodrigues Freire – Corretor de imóveis e advogado.