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Heitor Freire

Libanês Suíço

Antigamente se falava que Campo Grande era uma ilha de japoneses cercada de turcos (que de turcos só tinham o passaporte) por todos os lados. Ou vice-versa.
Eu, particularmente, me dou muito bem tanto com nipônicos como com libaneses, sírios, árabes.
É interessante a identificação dos libaneses com os brasileiros. Eles logo que chegaram pegavam suas malas cheias de armarinhos, meias, quinquilharias e se internavam pelo interior do país, sem saber falar a nossa língua, mas sabendo muito bem fazer contas, com um papel onde estava escrito o fundamental para iniciar uma conversa e assim se comunicavam. É de ressaltar também a cordialidade com o nosso povo; nos chamavam de primos, aliás de “brimos”.
Esta digressão inicial vem a propósito de um cidadão que, como todo bom libanês, descendente dos maiores mercadores que este mundo já conheceu – os fenícios, que desafiavam os oceanos e partiam com suas mercadorias em seus barcos d’antanho para negociar em todas as partes, mesmo sem conhecer as línguas locais – é comerciante.
Mas é um comerciante diferente de todos os outros que conhecemos.
Muito simpático, de uma simpatia natural, alegre, comunicativo, sempre com a barriga, encostada no balcão, onde se dispõe a conversar com seus clientes que gostam muito dele e da sua prosa.
Pois este cidadão libanês que para cá veio juntamente com seus pais, aos 9 anos de idade, tem o seu comércio instalado na Rua 7 de Setembro há mais de 30 anos. É o Thomaz. Dentre seus irmãos, destacamos o Chafic. Chafic João Thomaz, que, egresso das forças armadas, elegeu-se vereador e exerceu o seu mandato por diversas legislaturas, em todas exercendo o seu múnus com muita dedicação, competência e responsabilidade e que, certamente, teria muito a ensinar aos atuais vereadores. A nossa Câmara de Vereadores já teve entre seus componentes, gente da estirpe de um Plínio Barbosa Martins, de um David Balaniuc, de um Humberto Canale Júnior, de um Clodoaldo Hugueney Sobrinho e de tantos outros que tanto dignificaram aquela casa de leis, cujo nome Casa de Leis Vespasiano Barbosa Martins, homenagem justa e merecida àquele que tanto contribuiu para a nossa história e que deve estar um tanto decepcionado com a atual safra de vereadores.
E o Thomaz, nosso personagem, dono da esfiharia mais popular da nossa cidade: muito pela qualidade do produto, mas mais ainda por sua personalidade cativante, atraente, e por seu sistema de trabalho.
A esfiharia do Thomaz existe há tanto tempo que muitas gerações de campo-grandenses – alunos da Mace, que escapavam na hora do recreio para dar uma namoradinha rápida no seu estabelecimento –, hoje continuam como seus fiéis fregueses.
E ele tem uma característica especial que deveria merecer até estudo sociológico pela raridade do seu comportamento: ele confia no ser humano. O que, aliás, deveria ser um procedimento normal para todos, mas que, infelizmente, não é a regra.
Lá quem fala quanto consumiu é o cliente. Ninguém toma nota de nada. É fácil identificar um cliente novo, pois este, quando chega ao caixa, pela primeira vez, pergunta: “Quanto é?” E o caixa, invariavelmente: “O que o senhor comeu?” E este, surpreendido pela pergunta responde: “tantos salgados”, ao que o caixa faz a conta e lhe diz o valor da sua despesa.
Os clientes antigos já chegam dizendo comi tanto e estou levando tanto. Naturalmente.
No burburinho do movimento mais intenso, ao final da tarde, quando a sua esfiharia fervilha de tanta gente, lá está ele, sorrindo, no balcão, normalmente ao lado do caixa, conversando, conversando, conversando.
É por isso que o título deste artigo é “Libanês suíço”. Na Suíça, as bancas de jornais  não têm atendente. O cliente chega, escolhe o seu jornal, vai até o caixa – que é somente um lugar físico, sem funcionário – e faz o seu próprio troco, deixando o pagamento correspondente, correto.
O exemplo do Thomaz deveria prosperar, influenciando as pessoas a ter um comportamento igual. Pois ele, a seu modo afável, tranqüilo, não tem a menor preocupação com a veracidade da informação do seu cliente. Confia e pronto. E assim, também dá, através do seu exemplo, uma maravilhosa lição de amor ao próximo. Acredito que ele nunca tenha levado calote.
Belo exemplo.

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