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Heitor Freire

Nos tempos da antiga Rua 7 – I

Quando a minha família – constituída por meus pais, eu e meus cinco irmãos – chegou a Campo Grande, em 1947, egressos de Pedro Juan Caballero (Paraguai) – onde, por força da Revolução daquele ano, meu pai perdeu todo o seu patrimônio –,  nos acomodamos na casa dos Gamarra, na Rua 15 de Novembro. Depois mudamos para a Rua Maracaju, numa casa cujos fundos davam para o córrego Reveillau. Daí nos mudamos para a Rua Barão do Rio Branco, em casa de propriedade do sr. Antônio Sarubbi, ao lado da do dr. Generoso Fontes.
Nesse período, eu – com sete anos, alfabetizado – ajudava meu pai no seu café, lanchonete e engraxataria, no espaço que ele obteve, por locação, no Bar Bom Jardim, de propriedade de Francisco Rodrigues, um português muito atencioso e simpático.
Naquela época, eu vendia bilhetes de loteria na rua. Saía do Bar Bom Jardim, descendo em direção à avenida Mato Grosso, pelo lado esquerdo  da rua 14 e depois voltava pelo outro lado, oferecendo os meus bilhetes a todas as pessoas que encontrava, sem exceção. Uma vez, entrei na Casa Murad que ficava na esquina da rua 14 com a Maracajú. Seguindo o meu costume fui oferecendo os bilhetes a todas as pessoas que ali se encontravam. Estava de costas uma senhora a quem também ofereci. Esta ao se voltar deu de cara comigo. Era minha mãe que começou a chorar. Eu lhe dei um beijo e continuei com o meu trabalho.
Em outra oportunidade, dentro do Bar – que não vendia cigarros – eu circulava regularmente oferecendo os bilhetes e também cigarros. Fazia esse roteiro a cada 15 minutos mais ou menos. E oferecia para todos. Uma vez, um cliente que estava sentado há um determinado tempo, me chamou e disse: “Olha aqui guri vou te dar esta nota ( era de 5 mil réis), e faça-me o favor de não passar mais perto da minha mesa, viu?”  
Depois, o meu avô materno,  ervateiro em Ponta Porã, adquiriu o Mate Índio, localizado na Rua Antônio Maria Coelho, ao lado do Cine Rialto.  Meu pai passou a gerenciar o estabelecimento. Eu entregava a erva-mate  ensacada em sacos de aniagem, de 60 quilos, transportando-os em uma bicicleta, que tinha na frente uma roda menor, com um  espaço em cima da roda, para acondicionar  a mercadoria. A grande complicação é que o peso ficava localizado na frente e eu, com nove anos, franzino, sentia dificuldade em equilibrar a bicicleta. Mas sempre dava um jeito.
Passado um tempo,  meu pai adquiriu o Salão Cristal – barbearia localizada na Rua 14 de Julho, centro, onde é hoje a Galeria São José. Os barbeiros que ali trabalhavam eram verdadeiros artistas.
Lembro-me do Joaquim, um português, de bigode, com os cabelos repartidos ao meio, que tinha entre os seus fregueses o dr. Ary Coelho, na época prefeito de Campo Grande, sempre vestido de terno, e que ao chegar tirava o paletó, deixando à mostra o seu revólver na cintura. Trabalhavam também no salão o Zezão, assim apelidado pela sua altura elevada; o Álvaro, procedente de Porto Murtinho e o “seu” Telésforo, a quem meu pai vendeu o salão, posteriormente.
A venda do salão foi feita quando meu pai recebeu um bolicho como pagamento de um devedor, localizado na Rua 7 de Setembro, entre as Ruas 13 de Maio e Rui Barbosa. Isso em 1952, em pleno apogeu da zona do meretrício.
Do lado esquerdo da nossa casa, separada por uma cerca de arame, havia uma casa dita “de mulheres”. Na frente, se localizava o famoso sobradinho da dona Violeta. Do lado direito a Serralheria Moderna, do Toninho, em imóvel alugado do Antônio Lanteri. Ao seu lado, outra casa “de mulheres”. Em frente desta, o bar do Jabatá.
Ou seja, éramos uma ilha cercada de casas “de mulheres” por todos os lados. Quando para lá nos mudamos, a minha irmã Haydée tinha dez anos. E a Dorila, sete. Completaremos o nosso relato em outro artigo, na sequência deste.

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