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Heitor Freire

Nos tempos da antiga Rua 7 – II

Continuo o meu relato referente ao tempo em que moramos na rua 7 de Setembro, entre a rua 13 de Maio e a rua Rui Barbosa, lá moramos em pleno apogeu da zona do meretrício. O bolicho que o meu pai recebeu como pagamento de uma conta, era constituído por um balcão – em que não se podia encostar pois balançava todo –, de duas prateleiras e algumas latas de óleo. Ou seja, para nós foi um novo recomeço, numa situação novamente adversa.  
A minha família residiu nesse local até meados de 1966,  vivemos e acompanhamos de perto a transformação que, pouco a pouco, foi-se operando no local, com a mudança gradativa, quando as casas “de mulheres” começaram a rarear. As mulheres “da vida” eram também freguesas do nosso bolicho, que tinha como denominação Mercadinho Popular.
Nunca, em tempo algum, tivemos qualquer problema, molestação, constrangimento, enfim qualquer incômodo, da parte de quem quer que seja pelo fato delas freqüentarem o nosso estabelecimento comercial. Nem pela vizinhança. O que demonstra claramente que a dignidade de uma família não decorre do local onde mora, mas sim das condições intrínsecas de sua formação.
Mais tarde nos mudamos para a casa da frente, de propriedade do Michel Nasser, onde hoje funciona uma igreja evangélica.
Meu pai comprava verduras, mandioca e legumes na feira da Rua 7 onde hoje se localiza o Mercado Municipal, para vender em nosso bolicho,. Saíamos de madrugada, em dias de feira, eu e o meu irmão Hernane, acompanhando o nosso pai – que mantinha longos papos com os japoneses – e a gente aguardando. Voltávamos com as compras acomodadas em um carrinho de mão, carregadíssimo.
A mandioca tinha de ser enterrada em uma cova aberta no quintal da nossa casa, para manter sua conservação.
Nós tínhamos uma freguesa que, sempre, aos domingos, depois do almoço, quando nós já estávamos de banho tomado,  com a roupa domingueira e os cabelos devidamente “glostorados” prontos para ir à matinée no Alhambra, chegava e pedia meio quilo de mandioca. E papai cuja filosofia era de que cliente é cliente não tem tamanho, determinava que  abríssemos a cova com uma enxada para atendê-la, o que nos deixava bronqueados. Quando nós deixávamos a mandioca já separada, sem enterrar, a  danada não vinha.  
Naquela época, em meados de 1953 ou 1954, foi criada a Associação Cultural Brasil-Paraguay, que teve como seu primeiro presidente o dr. Wilson Barbosa Martins que, na ocasião da posse disse da sua alegria de participar dessa Associação, tinha uma ligação afetiva com a colônia, pois sua avó era paraguaia. O vice-presidente foi meu pai, Luiz Freire Benchetrit e o secretário, Carlos Árias Alarcon.
Além da nossa, moravam também na Rua 7, muitas outras famílias. Numa vila de propriedade do dr. Paulo Coelho Machado – também entre as ruas 13 de Maio e Rui Barbosa –  residiam os casais recém formados: Jorge Elias Zahran-Maria José, William Duailibi-Joalina e Arassuay Gomes de Castro-Maria José.
Na esquina da rua 7 com a rua 14 de julho, no local onde hoje é o Armazém do Troncoso, havia anteriormente a casa de comércio de seu pai. Quando ele faleceu prematuramente, dona Rafaela, sua mãe assumiu, apesar de ser ainda jovem, o comando da sua família e a continuidade do negócio.
Uma vez aconteceu um fato interessante: um casal, cuja mulher estava grávida, vivia uma situação de desacordos porque o marido chegava muito tarde em casa; a mulher sempre o alertava: “Pára de chegar tarde, que uma hora  eu perco a paciência”. E ele nada. Até que uma noite o marido chegou bem depois da meia-noite. Quando chegou a sua mulher estava na frente da casa. E ele foi logo tentando se explicar. Ela levantou o revólver que tinha na mão direita e deu dois tiros no meio das suas pernas. No chão. O cidadão caiu de joelhos: “Pelo amor de Deus, eu juro que nunca mais vou fazer isso”. Ele, felizmente, não foi atingido, mas foi um santo remédio.   
Foi uma época que me deixou gratas recordações.

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