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Heitor Freire

Honni Soit Qui Mal y Pense

O título deste artigo retrata a divisa da Ordem da Jarreteira, a mais alta e antiga ordem militar britânica, instituída pelo rei Eduardo III, em 1348.
A tradução literal é “Maldito seja quem pense mal disto”,  palavras proferidas pelo rei Eduardo quando dançava com a condessa de Salisbury e esta teve a sua liga (jarreteira) caída ao chão. Então ele se abaixou e colocou-a de volta na perna da condessa, e percebeu o murmúrio que circulou entre os presentes.
Ele disse então que criaria uma ordem à qual todos gostariam de pertencer. Criou então a Ordem da Jarreteira.
Uma tradução livre desse dístico, que encontrei no Dicionário Analógico da Língua Portuguesa de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo: “Quem estiver isento de culpa, atire a primeira pedra”, que foi também a forma que Jesus usou no episódio da mulher adúltera citado no Evangelho de João.
Isso tudo vem a propósito de um assunto que está a merecer uma atenção cada vez maior da nossa sociedade, da mídia e das conversas: a descriminalização das drogas. É um assunto polêmico e cuja discussão de imediato, ganha adeptos de um lado e de outro, sem que, muitas vezes, se faça uma análise sem paixão, sem envolvimento causando assim uma avaliação distorcida.
Vamos por partes: em primeiro lugar, vivemos numa sociedade hipócrita (eu trabalho para mudar isso). Esta é uma conclusão imediata e verdadeira. Por exemplo, o jogo do bicho é proibido. Proibido? Quando eu era guri, com 12 anos, vendia jogo do bicho no armazém do meu pai, na rua 7 de Setembro. Aprendi com tanta eficácia o sistema do jogo, que até hoje sei de cor, os 25 grupos, com suas dezenas, etc. Naquela época os “banqueiros” eram o Cauby Novais e o Abaeté. Foram os precursores em nossa cidade. Depois de algum tempo mudaram-se para Ponta Porã, onde continuaram com seu “negócio”.
No Rio de Janeiro, desde sempre se jogou e se joga. De vez em quando a polícia dá uma batida,  com estardalhaço. No dia seguinte tudo continua como dantes no quartel de Abrantes. Por que o jogo do bicho é “proibido” e a tele sena do Silvio Santos não é? Ou a mega-sena? Tudo é jogo. Não devemos agir como o avestruz que, ao sentir o perigo, esconde a cabeça na areia, deixando a descoberto todo o seu corpo, como se assim agindo, evitasse o perigo.
Um ponto a ser considerado é o que diz respeito diretamente às drogas, ditas lícitas e às ilícitas: as lícitas – o álcool e o cigarro – têm todo um efeito devastador. O cigarro, cujas campanhas publicitárias milionárias foram proibidas, teve o seu uso diminuído. O álcool, que continua sendo exaltado em campanhas também milionárias, estimulando o seu consumo, com filmetes de mulheres bonitas e gostosas exibindo os seus corpos sensuais, e cujo uso, quando exagerado, é a causa de inúmeros acidentes e mortes, está sofrendo uma campanha cujo resultado já se faz presente, como a de não dirigir alcoolizado. Sinto que está havendo uma conscientização da população.
E a maconha? Uma droga ilícita. Há um grande movimento mundial para a sua descriminalização, liderada pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, e também pelo nosso ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Se conseguirem esse objetivo, haverá uma diminuição no seu consumo? Com uma rede de distribuição legalmente estabelecida, com o pagamento de impostos, etc. o tráfico perderá sua força? Seu poder de influência será diminuído?  O que poderá acontecer? Isso pode funcionar?
Como já disse acima, não podemos fazer de conta que não é conosco. É sim, temos de encarar essa situação. Está mais do que provado que, com uma legislação punitiva, o tráfico só aumentou. Essa aura, dita romântica, de que o fruto proibido é melhor, mais gostoso, na realidade é uma grande falácia. Eu não tenho a solução, mas penso que, se a sociedade se unir, encontrará uma solução verdadeira.
A grande campanha na realidade deve começar na casa de cada um de nós, conversando com nossos filhos, nossos parentes, nossos amigos, para que haja uma conscientização. Os malefícios do uso das drogas são por demais nefastos para serem relegados, para não serem devidamente enfrentados.  Porque, na realidade sinto que, no fundo, no fundo, fazendo uma análise crítica e consciente, todos nós somos um pouco culpados, não podemos jogar pedras em ninguém. Mas nem por isso vamos cruzar os braços.

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