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Heitor Freire

Contraponto

A evolução tecnológica proporciona hoje mais rapidez nas comunicações, como nunca existiu até então. A globalização nos permite saber o que está acontecendo no outro lado do mundo instantaneamente. E essa velocidade concorre muitas vezes para que a superficialidade nos assuntos faça com que o que se leu de manhã, à tarde já se torne notícia velha. Sinal dos tempos.

No cenário político do nosso país, nestes tempos de petismo predominante, o que vemos são alianças entre políticos que, a princípio, não subiriam no mesmo palanque, mas, por míseros segundos na propaganda eleitoral na TV, se abraçam e se coligam. Como sabemos, os políticos encontram explicações para tudo. Como dizia o doutor Ulysses Guimarães: “política é como nuvem; você vê uma figura e ao olhar de novo, está tudo mudado”.

A cada dia, circulam nas redes sociais mensagens de cunho político, condenando ou absolvendo pessoas, partidos, governos. Há poucos dias recebi um e-mail desses, da professora Martha Pannunzio, que também é pecuarista, desancando o governo Dilma devido ao anúncio do novo benefício social instituído pela presidente, o Brasil Carinhoso. A autora da mensagem eletrônica é uma professora aposentada e pecuarista que critica o assistencialismo excessivo, a seu ver, do governo brasileiro, com argumentos válidos em alguns pontos e em outros não.

Contrapondo o ponto de vista da professora Martha, pronunciou-se publicamente o também professor Márcio Amêndola de Oliveira, professor de história na USP, apresentando seus argumentos, todos favoráveis ao governo petista e ao Lula. Quando entra a bipolarização partidária, ou a velha cantilena da luta do bem contra o mal, todos os fundamentos perdem sua substância.

Eu fico impressionado como cada lado consegue demonstrar o seu raciocínio de forma aparentemente irrefutável, defendendo os seus pontos de vista com tanta garra.O Os gregos, com a sabedoria que acumularam muitos séculos antes de enrascada do euro, inventaram uma expressão – húbris – para significar uma coisa que passa da medida, e pode ser sinônimo de presunção, arrogância, ou pura falta de comedimento que, com muita propriedade, se aplica aos dois lados da questão a que me refiro.

O conceito de contraponto, segundo os dicionários, é a disciplina que ensina a compor polifonia que, na música, é a técnica de composição onde não há uma linha melódica principal. As melodias se alternam entre si e formam harmonias com notas isoladas. Em política, significa contrapor as vantagens e desvantagens de cada posição, buscando ressaltar suas diferenças e puxando a brasa para sua sardinha. Não precisamos adentrar na política para constatar o contraponto: o ser humano, por natureza, é contraditório. Coerência é algo muito difícil de se conseguir porque os interesses pessoais variam e se alternam. Nélson Rodrigues pontifica sobre o tema: “O ser humano é capaz de tudo, até de uma boa ação. Não é, porém, capaz de ser imparcial”.

No caso dos dois textos pró e contra o PT, o teor inflamado das argumentações é justamente o que enfraquece o discurso, onde se misturam alhos e bugalhos tentando manipular a atenção de quem lê. Se separarmos o joio do trigo em cada caso, e relativizarmos o que cada um diz, aí sim podemos começar a exercer o senso crítico para absorver o que cada um tem de melhor. Os dois estão certos, em certa medida, mas também estão equivocados em sua abordagem exagerada dos fatos.

No campo filosófico, temos o maniqueísmo segundo o qual tudo foi criado e é dominado por dois princípios antagônicos e irredutíveis e que se baseia em fundamentos opostos: o bem e o mal. E afirma que só existem duas possibilidades. Já a dialética – a busca da melhor solução – apresenta um leque de alternativas para que se procure um caminho que saia desse engessamento.

Na Justiça, o contraditório é um princípio. Sem este, não há como os juízes formarem o seu juízo. Na realidade, cabe a cada um procurar o seu melhor caminho. Para terminar uma frase do filósofo Thomas Hobbes: “Há uma luta constante, incessante entre os homens para adquirir mais poder. Tendem à discórdia por três razões principais: competição pelo lucro, a desconfiança e a glória”.

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