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Heitor Freire

Uma Legenda Viva

Campo Grande é uma cidade abençoada, iluminada, pois é constituída por seres brilhantes: os que aqui nasceram, os que aqui chegaram e os que aqui vivem.
Hoje, vamos tratar de um desses seres: Antônio Simão Abrão, o Troncoso – amigo de todos e com uma grande capacidade de aglutinação. O seu armazém, na esquina da Rua 7 de Setembro com a 14 de Julho, é um ponto de encontro que nunca perdeu suas características.  Os demais pontos de encontro da nossa cidade, Gabura’s e o Bar do Paulo, foram fechados. O Bar do Zé permanece, mas um pouco desfigurado do que era.
Nascido em 1931, em Campo Grande, quando tinha 3 anos, Troncoso perdeu o pai. E dona Rafaela, sua mãe, se viu com cinco filhos pequenos para criar. Não esmoreceu. Dedicou-se totalmente aos filhos e ao seu sustento, embora ao enviuvar tivesse apenas 29 anos. Não se casou mais. Fez da educação e do sustento da sua família, a sua razão de viver.
Dona Rafaela era daquelas mulheres árabes típicas. Com um sorriso amplo, recebia a todos generosamente e com muita alegria. Tocou o armazém sozinha com a habilidade e a inteligência natural de comerciar, própria dos fenícios, atraindo também as pessoas com a sua maneira franca e fraterna de tratá-las. Aos poucos, o armazém deixou de ser simplesmente um entreposto de mercadorias para ser também um ponto de encontro.
E o nosso Antonio crescendo ali, acompanhando, participando e aprendendo com a luta constante da sua mãe, pois a residência deles era nos fundos do armazém.
Dona Rafaela recebia a todos servindo a típica comida árabe. Com o passar dos tempos nasceu uma tradição: a reunião aos sábados, que persiste até hoje.
Ela foi homenageada pelos amigos de Troncoso com três placas – lá estão – de 1983, 1993 e 2003, que registram com muito carinho o afeto e respeito, que todos lhe devotavam.
O apelido, Troncoso, veio de um relacionamento amistoso com dois advogados de São Paulo que tinham fazenda no Pantanal e a abasteciam em seu armazém, e se identificaram de tal maneira com o Antônio que passaram a tratá-lo de parente. Eram da família Troncoso, o Jaime e seu irmão. Parente daqui, parente dali, o apelido foi pegando, sem que houvesse qualquer rejeição por parte do Antônio. Hoje e há muito tempo, é assim que ele é conhecido.
No armazém as pessoas passam todos os dias: logo cedo para um café amigo, para um papo, uma troca de idéias, por todo o dia.
Particularmente, tenho um episódio vivido com ele – cursamos juntos a faculdade de direito, na gloriosa Fucmat, de 1975 a 1979 – e em 1978 quando tratávamos de eleger uma comissão para arrecadar fundos para a formatura, eu que vinha de algumas atuações significativas (relatei em artigo anterior o caso do Noel com o padre Antunes), considerava que estas me credenciariam como candidato natural. Mas não foi bem assim. Agnaldo Gonçalves lançou a candidatura do Odilon Nakasato, e saiu pedindo voto. E eu não,  fiquei ali só assistindo. Ainda não havia aprendido que obrigação de candidato é pedir voto. Resultado: perdi de capote, 66% a 33%.
No ano seguinte, o último, Odilon e Agnaldo não se matricularam. O vice-presidente eleito, Haroldo Nascimento dos Santos, me procurou tentando passar-me a presidência da comissão, o que não aceitei. Disse-lhe que ele passara a ser o nosso presidente e deveria exercer o seu cargo. Que contasse comigo, eu lhe ajudaria coordenando os trabalhos. E assim fizemos.
Procurei o Troncoso, expus a situação e disse que se fizéssemos a rifa de um carro pela loteria federal, ganharíamos o suficiente para arcar com as despesas. Mas o carro tinha que estar comprado e à disposição. Ele concordou. E o que fez? Comprou o carro, pagando do seu bolso. E começamos a vender a rifa. Quem mais comprou números foi o próprio Troncoso. Quando foi feito o sorteio, ele foi o ganhador. E o que fez nosso colega? Doou o carro para a comissão, para que com a sua venda se engordasse o já alentado caixa. Esse episódio é bem demonstrativo da sua forma generosa e amiga de agir.
Assim, não é por acaso que seu antigo armazém – hoje desativado, transformado em seu escritório de fazenda – vive cheio de gente.
Troncoso é autêntico, um cidadão da comunidade. Foi vice-presidente da Junta Comercial, na administração de Luiz Carlos Iglésias, que fez a sua implantação de forma exemplar. A Junta era considerada pelo Departamento Nacional de Registro Comercial a melhor e mais bem organizada do país. Ao saber que Iglésias seria demitido, por uma questão de lealdade, Troncoso pediu demissão antes. E não aceitou sucedê-lo.
Troncoso foi também presidente do Jockey Clube e do Comercial. Hoje é conselheiro do Hospital do Câncer e do Sanatório São Julião.
Sem dúvida, é uma legenda viva em nossa cidade.

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