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Heitor Freire

Banco do Brasil – Ponta Porã

Ponta Porã. Banco do Brasil. 1961 a 1968.
A nossa turma do BB, naquele período criou a AABB, Associação Atlética Banco do Brasil de Ponta Porã. O primeiro presidente foi o Douglas de Jesus Mamoré, meu padrinho de crisma, que se revelou desde cedo um grande líder e funcionário exemplar.
Eu fui o segundo presidente. Na minha gestão, alugamos uma casa de madeira que ficava em diagonal com a agência do banco e que a adaptamos para fazer um salão de baile. A casa era de propriedade da família do sr. Jorge Santos Pereira. Na inauguração fizemos um baile. Era uma noite muito fria, típica da fronteira, no mês de junho. Os homens todos de pala; as mulheres com grandes casacos. Lá pelas tantas, fui chamado para ir à portaria, pois estava armada uma grande confusão. O Carlos Alberto Derzi, filho do sr. Salim Derzi, sobrinho do então deputado Rachid Saldanha Derzi (depois senador), queria entrar e teve impedido o seu intento pelo nosso colega Vanderlei Bambil Espíndola, que só andava armado. Entra, não entra, fui chamado.  De imediato consegui afastar o Dilei (apelido do Vanderlei), argumentado que não poderíamos macular a nossa inauguração com uma briga que se prenunciava homérica – o Carlos Alberto também era valentão. Após afastar o Dilei, comecei a conversar com o Carlos Alberto defendendo o nosso propósito de que a AABB não seria só dos funcionários do banco, mas da sociedade da fronteira. Após mais um pouco de conversa consegui acalmá-lo, convidando-o a entrar. Estava resolvida a primeira bronca.
O banco ficava na esquina da avenida Brasil com a rua 7 de setembro. Do lado da av. Brasil, havia um bar de propriedade do sr. Rufo Fernandes. Baixo, gordo, brabo, valente. Na gaveta do balcão guardava o seu revólver. Tinha língua presa. Os colegas gostavam de brincar com ele, que aceitava isso. Só não aceitava ser imitado. O nosso colega Dilei, acima mencionado, foi provocá-lo uma vez, imitando-o quando dizia: “Esses funcionários do banco são todos uns bobos. Pedem água mineral e não sabem que tudo é água de poço (esse poço dito com a língua presa soava possso)”. Ao perceber que estava sendo imitado, o seu Rufo abriu a gaveta do balcão e perguntou ao Dilei: “Parece que o senhor está me imitando?” E este, mais que depressa: “Não senhor, seu Rufo e já não quero mais nenhuma água”, voltando imediatamente para o banco. Nunca mais ninguém brincou com o seu Rufo.
Quando Marluce Manvailler, residente em Ponta Porã, foi eleita em segundo lugar miss Brasil,  ganhou o direito de representar o nosso país em Londres, no concurso de miss Mundo – onde foi eleita, em 1966 – foi um acontecimento para nossa cidade. Ao voltar da Inglaterra, teve direito a uma recepção de rainha, sendo recebida pelo prefeito no aeroporto e desfilou em carro aberto pelas principais ruas da cidade, após o que foi homenageada em nossa AABB. Eu, presidente, tive que saudá-la. Foi o meu primeiro discurso público. Vencido o nervosismo inicial, consegui cumprir o script. Depois ela casou-se com o advogado Gazi Esgaib.
A minha sogra, dona Armanda, preparava pastéis e alguns salgados, e também suco de laranja que a sua ajudante, Maria Ângela, paraguaia, levava na hora do recreio no banco, para o lanche dos colegas. Um destes, Dairo Barbosa da Cruz o Pitoco, cujo apelido já diz tudo, perguntou-lhe uma vez: “O que é isso no suco?” E ela, paraguaia, disse “És semilla”, ou seja, semente, da laranja. Pronto. Ganhou o apelido que ficou para sempre: Semilla. Que ela aceitou com bom humor.
Uma noite, regressávamos de uma festa em Pedro Juan Caballero, no Club Amambay, eu e meu primo Pápi Rodrigues, na sua Kombi, quando alguns amigos pediram carona e se acomodaram nos bancos traseiros. Quando passávamos por algumas moças que voltavam a pé, um dos caroneiros dirigiu-se a elas de maneira indelicada. Isso  me levou a repreendê-lo de forma agressiva, provocando uma reação imediata, e este, Sidney Almirão, de família tradicional de gente valente, abriu a porta da Kombi em andamento e saltou para fora, acompanhado pelos seus amigos. O meu primo disse: “Você não devia ter falado assim”. Mas já estava feito. A palavra depois de proferida não volta atrás. Como estávamos num fim de noite, passamos no bar Cinelândia, onde os jovens se reuniam. Daí a pouco, chegou o Sidney com a cara amarrada, sentando-se com os seus colegas numa mesa perto da nossa. Sentindo o clima, resolvi agir. Fui até a sua mesa e o chamei para conversarmos lá  fora. Saí à frente e ele me seguiu com as duas mãos dentro dos bolsos da calça: no bolso direito aparecia o cabo do seu revólver e no esquerdo ele chacoalhava a mão mostrando que estava cheio de balas. Os meus joelhos tremiam, fazendo um barulho que me parecia ensurdecedor. Para evitar que ele percebesse isso, comecei a conversar logo, dizendo que eu havia errado e não me competia falar com ele naqueles termos, e pedi desculpas. Ele ficou me olhando. Os joelhos batendo. Depois de um tempo, ele me disse: “Está bem”. Ufa. Foi um dos grandes alívios da minha vida. Fomos tomar cerveja juntos e acabamos a noite fazendo serenata.
Em agosto de 1968, saí do banco, iniciando um novo ciclo em minha vida.

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