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Heitor Freire

Saga de uma Profissão III

O fruto mais rico da realização do XII Congresso dos Corretores de Imóveis do Brasil, realizado aqui em Campo Grande, em outubro de 1983, foi a criação da Câmara de Valores Imobiliários, que veio a constituir-se numa fonte permanente de trabalho, de informações e de realizações.
Naquele congresso que teve como coordenador-geral o colega Antonio Simas – recentemente falecido,   do sindicato de São Paulo e também membro da Câmara de Valores Imobiliários daquele estado, entusiasta do trabalho realizado por aquela instituição –, foi o grande incentivador para que aqui também fosse criada a nossa Câmara.
A nossa CVI, criada em 1983, permaneceu três anos “no limbo”. Em 1986, após uma reunião convocada pelos colegas que gostariam de ver a idéia colocada em prática, foi eleita uma nova diretoria, da qual fui escolhido o presidente. Exerci o cargo até 1993, quando tomou posse  Levi Ratier, que a presidiu durante 12 anos.
O quadro de associados tinha em sua composição os melhores e maiores líderes do mercado imobiliário, cuja solidariedade  nos momentos difíceis –  que foram muitos, no início –   se constituiu na grande força da Câmara.
Na administração Marcelo Miranda, como prefeito de Campo Grande, fui convidado para participar do grupo de profissionais que analisavam os preços de mercado dos imóveis urbanos para efeito de lançamento do IPTU.
Quando me incorporei ao grupo, a prefeitura funcionava no prédio da rodoviária. Quase não havia espaço, nós trabalhávamos praticamente no corredor. Continuamos essa parceria na administração  Albino Coimbra, na Heráclito Figueiredo, e depois na de Lúdio Coelho.
Na primeira administração  Juvêncio César da Fonseca, assinamos um convênio com a prefeitura, a partir de quando essa incumbência passou para a Câmara. Aí então, criamos um quadro de colegas avaliadores.
Quando da segunda administração Lúdio Coelho, em outubro de 1991, ao analisarmos os preços que estavam sendo praticados para efeito do lançamento do IPTU, verificamos que havia uma grande defasagem entre os valores lançados e o valor venal dos imóveis.
Solicitamos uma audiência com o prefeito e mostramos a ele essa situação, alertando que, se não fosse tomada uma decisão corajosa de atualização dos valores, haveria  uma discrepância cada vez maior. A situação exigia mudança, cuja atualização  provocaria, certamente, o protesto dos contribuintes. O prefeito então, só nos fez uma pergunta: “Vocês aguentam o tranco?” Nós dissemos que sim. Assim, ele autorizou o lançamento dos imóveis a preços de mercado.
Quando os carnês do imposto foram distribuídos em janeiro do ano seguinte, como havíamos previsto, a grita foi total. A bronca maior foi dos comerciantes. A associação comercial, cujo presidente à época era Wagner Simone Martins, se transformou no estuário natural dessas reclamações. Foi convocada uma assembléia geral.
A prefeitura, convidada, se fez representar pelo secretário de controle urbanístico, Renato Katayama. Eu era o representante da Câmara. Quando lá chegamos juntos, ficamos impressionados com o número elevadíssimo de pessoas presentes. Havia gente pelos corredores, encostadas nas laterais do auditório. Lotadíssimo.
Formada a mesa dos trabalhos, o presidente fez uma exposição a respeito do assunto a ser tratado, agradecendo a presença do Renato e a minha. A seguir, passou a palavra ao advogado da associação comercial que começou a fazer uma longa, cansativa, extenuante apresentação, citando leis, códigos, ementas, fazendo questão de ler textos completos da legislação pertinente, citando artigos combinados com outros – enfim, deixando a platéia confusa e irritada.
O presidente ainda tentou, por mais de uma vez, interromper essa longa peroração, mas foi impedido pelo advogado, que alegava a necessidade de explicar toda a legislação e comentando cada parte para, no seu entendimento, esclarecer os pontos controversos da questão. A platéia foi diminuindo, diminuindo; alguns assistentes começaram a dormir, chegando até a roncar, outros profundamente irritados se retiravam, reclamando.
Enfim, quando finalmente o advogado terminou a sua fala, o presidente passou a palavra para nós. Havia transcorrido quase duas horas. E eu, como presidente da CVI, e responsável pelos critérios que foram adotados, iniciei a exposição informando em poucos minutos o porquê da taxação, colocando-me à disposição para esclarecer qualquer lançamento que fosse objeto de reclamação. Não houve mais nenhuma intervenção da platéia.
O presidente então, perguntou como se poderia atender aos reclamantes, já que a audiência havia diminuído consideravelmente. Nos colocamos  à disposição para atender aos contribuintes, a partir do dia seguinte, na sede da CVI.
A secretária executiva da Câmara era Sandra Maria Ribeiro, uma garota nova, bonita, inteligente e simpática. Quando os contribuintes chegavam e davam de cara com aquela simpatia toda, já perdiam o rebolado e baixavam o tom. E ela, muito comunicativa explicava com muita paciência o que havia acontecido.
As filas pareciam as do INSS, houve dias em que não parávamos nem para almoçar.  Assim, favorecidos pelo longo e inadequado discurso do advogado e pelo muito oportuno atendimento da Sandra, pudemos dizer ao nosso prefeito que “Sim, aguentamos o tranco”.
Com o relato desses acontecimentos, encerro a atual série “Saga de Uma Profissão”, embora, naturalmente, o assunto não tenha se esgotado. A qualquer momento, poderei dar continuidade a este tema, que considero muito caro para todos nós, corretores de imóveis.

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