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Heitor Freire

Nos Tempos do Quartel

Desde os meus 13 anos de idade, passei a estudar à noite para trabalhar de dia. Naquele tempo, a maioria dos alunos no período noturno era de pessoas mais velhas do que eu.

Quando concluí o ginásio, fui estudar na Escola Técnica de Comércio Carlos de Carvalho, que funcionava no prédio do Colégio Oswaldo Cruz, onde fiz o curso técnico em contabilidade. Eu era o caçula da turma e me destacava pela capacidade de aprender mais rápido do que a maioria dos colegas, o que me tornou na época meio arrogante e prepotente.

Quando concluí o curso, aos 18 anos, fui incorporado ao Exército, no quartel da 4ª Companhia Média de Manutenção. Naquela época, a maioria dos recrutas vinha do interior de São Paulo e eram pouco alfabetizados, o que também contribuiu para o aumento da minha arrogância e displicência.

Até hoje, eu agradeço por ter servido o Exército, porque ali fui moldado na disciplina e, aos poucos, tive atenuada a minha arrogância juvenil. Nós tínhamos um sargento baixinho, mas de grande autoridade, Gimie Silva de Deus, não me esqueço desse nome. O sargento Gimie vivia me enquadrando, pelo que lhe sou grato até hoje. Ele sempre me dizia: “Heitor, você é, de longe, o mais inteligente e preparado da turma, mas é também muito displicente. Toda sua inteligência fica anulada pela sua prepotência. Você precisa mudar”. E, graças a Deus, eu ouvi seus conselhos.

Logo que fui incorporado, estávamos todos reunidos em frente ao prédio principal do quartel, ainda com nossas roupas civis, quando um sargento disse que iria nos dividir em grupos, de acordo com a capacidade de cada um, e então perguntou: “Quem sabe escrever à máquina?” Eu saltei na frente, sempre fui excelente datilógrafo. Aí fui encaminhado à parte da turma. O sargento prosseguiu com a seleção dos novatos. Quando todos já estavam classificados, eu e a turma de datilógrafos fomos levados ao campo de futebol, imenso, com uma grama altíssima. E o sargento: “Os datilógrafos, peguem aquelas enxadas e vão datilografar essa grama para que ela fique bem rente ao chão”. Putzgrila. Foi aí que começou a cair a ficha…

Nessa primeira fase, tínhamos que ficar noventa dias direto no quartel. Minha mãe, preocupada, me disse: “Meu filho, vou mandar comida para você”. Mas eu, do alto da minha empáfia: “Não senhora, vão dizer que sou um filhinho mimado”. Menos de uma semana depois, dei um jeito de mandar um recado pra ela: “Mãe, pelo amor de Deus, manda comida, sim!”.

Nesse período inicial, sem poder sair do quartel, depois do jantar e antes do toque de recolher, alguns recrutas aproveitavam pra se apoiar no batente das janelas e tirar um cochilo. Certa vez, eu e uns colegas gozadores aproveitamos para acordar os dorminhocos, batendo na cabeça deles com o bico de pato (a aba do boné). Eles acordaram assustados e procuraram o sargento para reclamar. Com sua experiência, o sargento logo farejou e identificou o grupo dos gozadores.

Como castigo, ele mandou que pegássemos nossas mochilas equipadas, que pesavam uns 30 quilos, mais o mosquetão e o capacete de aço. Assim preparados, mandou que déssemos dez voltas correndo, em torno do campo de futebol, que era enorme. Quando terminamos a tarefa, com a língua de fora e a respiração arfante, ele mandou que fizéssemos, ali mesmo, com a mochila nas costas, 15 exercícios . E ele ali, fiscalizando tudo. Mas não deu para concluir, não tínhamos mais forças.

Aí, avisei o sargento que eu estava de serviço no alojamento e que precisava assumir meu plantão dentro de 10 minutos. Ele respondeu: “Se vira e não me chegue atrasado”. Corri, guardei a mochila e os equipamentos, tomei banho, troquei de roupa e às 9 em ponto assumi o meu posto. Mais morto do que vivo. Foi uma lição inesquecível.

Continua…

Heitor Rodrigues Freire – Corretor de imóveis e advogado.

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